IELP NA MÍDIA | Aspectos legais (e políticos) do plano de vacinação contra a Covid no Brasil

No momen­to em que país ultra­pas­sa a mar­ca de 200 mil mor­tos e oito milhões de casos, espe­ci­a­lis­tas ana­li­sam as ques­tões jurí­di­cas e os emba­tes que dicul­tam uma ação

O núme­ro de mor­tes por coro­na­ví­rus no Bra­sil vol­tou a ficar aci­ma de mil óbi­tos por dia, um aumen­to de 65% em rela­ção aos últi­mos 14 dias, segun­do o con­sór­cio de impren­sa que apu­ra os núme­ros no Bra­sil. Já são mais de 203 mil mor­tos pela doen­ça e 8 milhões e 100 mil casos regis­tra­dos. Nos últi­mos dias, nenhum esta­do regis­trou desa­ce­le­ra­ção e, em algu­mas capi­tais, a situ­a­ção vol­tou a ficar dra­má­ti­ca, como em Manaus, onde fal­ta oxi­gê­nio para as UTIS.

Os novos casos dão sinal de ace­le­ra­ção e indi­cam a urgên­cia de um pla­no de iní­cio de vaci­na­ção. Até ago­ra, a dis­cus­são prin­ci­pal gira em tor­no de duas vaci­nas no país: a da Oxford jun­to com a Astra­Ze­ne­ca – com pro­du­ção naci­o­nal pela Fun­da­ção Oswal­do Cruz (Fio­cruz) no Rio de Janei­ro –, e a Coro­na­Vac, do labo­ra­tó­rio chi­nês Sino­vac e pro­du­ção do Ins­ti­tu­to Butan­tan em São Paulo.

Em dezem­bro, o pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro e o minis­tro da Saú­de, Edu­ar­do Pazu­el­lo, anun­ci­a­ram um pla­no de vaci­na­ção. Eles deram deta­lhes de como a vaci­na será apli­ca­da: come­ça­rá com os pro­fis­si­o­nais de saú­de e a popu­la­ção com mais de 75 anos. O pro­ble­ma é que não se sabe ain­da a data de iní­cio exata.

Outra ques­tão impor­tan­te é que até ago­ra a Agên­cia Naci­o­nal de Vigi­lân­cia Sani­tá­ria (Anvi­sa) não apro­vou o uso gene­ra­li­za­do para nenhu­ma das vaci­nas do mer­ca­do. A enti­da­de auto­ri­zou, em 3 de janei­ro, a impor­ta­ção de dois milhões de doses da vaci­na Astra­Ze­ne­ca. Mas, por enquan­to, as doses que che­ga­rem ao país não pode­rão ser apli­ca­das na popu­la­ção. Segun­do a Agên­cia, a expec­ta­ti­va é obter 110 milhões de doses para o pri­mei­ro semes­tre de 2021, o que equi­va­le­ria a vaci­nar meta­de da população.

Na sex­ta-fei­ra (8), o Ins­ti­tu­to Butan­tan e a Fio­cruz entra­ram com pedi­do de uso emer­gen­ci­al jun­to à Anvi­sa, que tem dez dias para se pro­nun­ci­ar. O Butan­tan infor­mou que fez o pedi­do para uso emer­gen­ci­al de seis milhões de doses. Repre­sen­tan­tes da Fio­cruz dis­se­ram que o pedi­do de uso emer­gen­ci­al foi para 2 milhões de doses, que devem vir do labo­ra­tó­rio Serum na Índia.

O Minis­té­rio da Saú­de pro­me­te uma reu­nião nos pró­xi­mos dias com os secre­tá­ri­os de esta­dos e muni­cí­pi­os para acer­tar a logís­ti­ca de dis­tri­bui­ção. A inten­ção, segun­do a pas­ta, é que “tão logo as vaci­nas tenham aval da Anvi­sa para uso emer­gen­ci­al ou o regis­tro defi­ni­ti­vo”, come­ça­rá a vaci­na­ção no país.

Mas em meio às dis­cus­sões essen­ci­ais para sal­var a vida de milha­res de bra­si­lei­ros, o pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro (sem par­ti­do) con­ti­nua seu emba­te polí­ti­co com o gover­na­dor João Doria (PSDB). Uma bri­ga que dei­xou a medi­da mais emer­gen­ci­al da pan­de­mia, uma polí­ti­ca naci­o­nal de com­ba­te à doen­ça, em segun­do pla­no nos últi­mos meses. O gover­na­dor de São Pau­lo tra­ba­lha para come­çar a imu­ni­za­ção no dia 25 de janei­ro com a Coro­na­Vac. Em outu­bro, o Minis­té­rio da Saú­de fir­mou um acor­do com o Ins­ti­tu­to Butan­tan de com­pra de 46 milhões de doses. Mas por cau­sa da bri­ga polí­ti­ca, Bol­so­na­ro desau­to­ri­zou publi­ca­men­te o acor­do na época.

Porém, na últi­ma sex­ta-fei­ra, téc­ni­cos minis­te­ri­ais e repre­sen­tan­tes do labo­ra­tó­rio pau­lis­ta reu­ni­ram-se para dis­cu­tir a incor­po­ra­ção da Coro­na­Vac ao Pla­no Naci­o­nal de Ope­ra­ci­o­na­li­za­ção da Vaci­na­ção Con­tra a Covid-19. No últi­mo sába­do (9), o Minis­té­rio, em nota, afir­mou que todas as doses das vaci­nas con­tra a Covid-19 que o Ins­ti­tu­to Butan­tan pro­du­zir ou impor­tar serão adqui­ri­das pelo Gover­no fede­ral e dis­tri­buí­das exclu­si­va­men­te no Sis­te­ma Úni­co de Saú­de (SUS).

Um acor­do que só põe lenha na foguei­ra na dis­pu­ta polí­ti­ca entre o man­da­tá­rio do prin­ci­pal esta­do do país, São Pau­lo, e o pre­si­den­te. Ago­ra, o Gover­no fede­ral terá o direi­to de exclu­si­vi­da­de de com­pra de todo imu­ni­zan­te que o Butan­tan pro­du­zir ou impor­tar e cabe­rá ao Minis­té­rio dis­po­ni­bi­li­zar a Coro­na­Vac para os 26 esta­dos bra­si­lei­ros e o Dis­tri­to Fede­ral, de for­ma simul­tâ­nea e pro­por­ci­o­nal ao tama­nho da popu­la­ção de cada estado.

Uma mudan­ça que, segun­do os espe­ci­a­lis­tas, pode aju­dar a melho­rar a ima­gem de Bol­so­na­ro, que assu­me o pro­ta­go­nis­mo com a dis­tri­bui­ção da vaci­na que ele rejei­tou e cha­mou de “vaci­na chi­ne­sa de João Doria”.

Ques­tões jurídicas

Ape­sar do pra­zo de dez dias da Anvi­sa, o Supre­mo deci­diu, em deci­são limi­nar do minis­tro Ricar­do Lewan­dows­ki na ADPF 770, que os esta­dos e muni­cí­pi­os pode­rão impor­tar dire­ta­men­te os imu­ni­zan­tes caso a Anvi­sa des­cum­pra o pra­zo de 72 horas para aná­li­se de vaci­nas com auto­ri­za­ção em agên­ci­as de saú­de estran­gei­ras (EUA, Chi­na, UE e Japão). Há pre­vi­são de sub­mis­são da deci­são ao Ple­ná­rio do STF em 12 de feve­rei­ro, depois do reces­so. “O gran­de pro­ble­ma exis­ten­te é que o mode­lo da Anvi­sa é o da inér­cia, ou seja, se aguar­da a mani­fes­ta­ção de inte­res­se de algum labo­ra­tó­rio. Em um cená­rio de fal­ta de vaci­nas em todo o mun­do, saí­ram na fren­te os paí­ses que por sua pró­pria ini­ci­a­ti­va – e não somen­te dos labo­ra­tó­ri­os – fir­ma­ram con­tra­tos e con­vê­ni­os e hoje já con­tam com as vaci­nas dis­po­ní­veis”, ava­lia Rapha­el Sodré Cit­ta­di­no, pre­si­den­te do Ins­ti­tu­to de Estu­dos Legis­la­ti­vos e Polí­ti­cas Públi­cas (IELP) e sócio-fun­da­dor do Cit­ta­di­no, Cam­pos e Anto­ni­o­li Advo­ga­dos Associados.

“Esta­dos, muni­cí­pi­os e até mes­mo par­ti­cu­la­res inte­res­sa­dos em obter pela vida judi­ci­al terão enor­me difi­cul­da­de, por­que não bas­ta­rá a ques­tão sani­tá­ria e a ava­li­a­ção judi­ci­al. Depen­de­rá da dis­po­ni­bi­li­da­de de vaci­na no mun­do e os labo­ra­tó­ri­os já estão com os esto­ques sen­do com­pro­me­ti­dos”, afirma.

A lei 14.006, de 28 de maio de 2020, tam­bém pre­vê a libe­ra­ção de vaci­nas con­tra o novo coro­na­ví­rus em no máxi­mo 72 horas após a soli­ci­ta­ção jun­to ao órgão, caso já tenham regis­tro em agên­ci­as reco­nhe­ci­das mundialmente.

Para Ceci­lia Mel­lo, que atu­ou por 14 anos como juí­za fede­ral no TRF‑3, a ques­tão da judi­ci­a­li­za­ção é bas­tan­te com­ple­xa. “Se de um lado já há esse per­mis­si­vo do STF, por outro há neces­si­da­de de cum­pri­men­to dos requi­si­tos fixa­dos na pró­pria deci­são. Para haver judi­ci­a­li­za­ção, há neces­si­da­de de ter­mos vaci­nas den­tro das con­di­ções esta­be­le­ci­das seja pela Anvi­sa, seja pela pró­pria deci­são limi­nar do STF. A par­tir da dis­po­ni­bi­li­da­de de vaci­nas é que pode­rá haver a judi­ci­a­li­za­ção para que se cum­pram pre­cei­tos cons­ti­tu­ci­o­nais igua­li­tá­ri­os de dis­tri­bui­ção”, explica.

Almi­no Afon­so Fer­nan­des, advo­ga­do cons­ti­tu­ci­o­na­lis­ta e sócio no Almi­no Afon­so & Lis­boa Advo­ga­dos Asso­ci­a­dos acre­di­ta que “é abso­lu­ta­men­te lamen­tá­vel ter-se que bus­car a tute­la juris­di­ci­o­nal para obter o óbvio, pois, não há dúvi­das de que entre a insi­pi­ên­cia e a ciên­cia have­rá que se optar pela últi­ma. Mas, infe­liz­men­te, no caso do Bra­sil, em vir­tu­de dos cons­tan­tes deva­nei­os do atu­al pre­si­den­te da Repú­bli­ca, pare­ce não haver outra solu­ção”, diz.

“Por isso, a judi­ci­a­li­za­ção ser­vi­rá para cor­ri­gir as maze­las do Gover­no que, rei­te­ra­da­men­te, insis­te em fazer ouvi­dos mou­cos para a gra­vi­da­de des­ta pan­de­mia. Por­tan­to, para evi­tar que o caos se agra­ve cada vez mais, tor­na-se impe­ri­o­sa a inter­ven­ção do poder Judi­ciá­rio, visan­do asse­gu­rar o dever do Esta­do à garan­tia da saú­de públi­ca, direi­to de todos”, expli­ca o advogado.

Na visão dos espe­ci­a­lis­tas, caso a situ­a­ção se com­pli­que, com uma pos­sí­vel fal­ta de ação por par­te do Gover­no fede­ral em rela­ção ao iní­cio da vaci­na­ção, o Judi­ciá­rio pode­rá ser aci­o­na­do por cida­dãos, asso­ci­a­ções ou até mes­mo pelo Minis­té­rio Públi­co para que adqui­ra as vaci­nas e ini­cie a imu­ni­za­ção. É o que ava­lia André Loza­no, sócio do Jacob Loza­no Advo­ga­dos. “A Cons­ti­tui­ção Fede­ral con­sa­gra o direi­to à saú­de, por­tan­to, se o poder Exe­cu­ti­vo não esti­ver pro­vi­den­ci­an­do o tra­ta­men­to ade­qua­do para qual­quer que seja a doen­ça, o cida­dão pode bus­car o poder Judi­ciá­rio para que esse tra­ta­men­to seja for­ne­ci­do. Com a pan­de­mia, a ques­tão ganha uma rele­vân­cia mai­or, pois o Gover­no fede­ral tem se mos­tra­do negli­gen­te, além de con­tra­ri­ar pes­qui­sas cien­tí­fi­cas e espe­ci­a­lis­tas”, afirma.

Repor­ta­gem publi­ca­da pelo por­tal Lex­La­tin: https://br.lexlatin.com/portal/reportagens/aspectos-legais-e-politicos-do-plano-de-vacinacao-contra-covid-no-brasil

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