
- 17 de março de 2023
- By: admin_ielp
- in: Artigo
Neste ano, Jair Bolsonaro encerrará seu mandato com a marca de ter sido um dos presidentes que mais usou a caneta para legislar. Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Bolsonaro editou quase 70% mais medidas provisórias, por ano, que seus antecessores: Dilma Rousseff e Michel Temer.
Trata-se de um estudo anual do IBPT, que avalia a quantidade e normas criadas no país desde que a Constituição Federal foi promulgada (1988). De lá para cá, 7,1 milhões de leis, decretos e portarias foram criados, nas esferas municipal, estadual e federal, o que equivaleria a 829 novas normas a cada dia útil.
Só sobre tributação são 4.869 em vigor atualmente (54.679 artigos, 127.402 parágrafos, 407.358 incisos e 53.585 alíneas). Se impressa em formato A4, essa quantidade seria suficiente para ocupar as pistas de ida e de volta da Avenida Paulista, de um extremo ao outro.
Segundo o estudo do IBPT, 2022 foi o ano com o maior volume de leis complementares e ordinárias pelo Congresso Federal: 259. Foi, também, o segundo ano no qual o presidente da República publicou mais medidas provisórias (67). O maior foi 2020, também sob o governo de Bolsonaro, quando foram editadas 108 MPs.
O recorte referente às medidas provisórias, no estudo do IBPT, vem sendo feito desde 2010, último ano do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando as eleições levaram a ex-presidente Dilma Rousseff à presidência. Naquele ano de 2010, foram publicadas 59 MPs.
Nos governos Dilma-Temer, entre 2011 e 2018, foram editadas 338 medidas provisórias — uma média anual, portanto, de 42 normas. Em apenas 4 anos de governo Bolsonaro, foram editadas 248 MPs (uma média de 71 por ano).
No estudo do IBPT, há um recorte sobre a quantidade de normas tributárias. De todas 284 medidas provisórias editadas na gestão Bolsonaro, 28 delas — cerca de 10% — tratam de temas fiscais.
Foi por meio de uma MP, por exemplo, que o governo fez ajustes na tributação da comercialização de etanol para viabilizar a venda direta dos produtores aos postos de combustíveis, sem passar pelas distribuidoras.
Também por MP, durante o mês de setembro, o governo reduziu o Imposto de Renda de operações envolvendo gastos em viagens internacionais e investimentos estrangeiros.
Uma das mais polêmicas foi a MP 1.118, publicada no dia 17 de maio, que alterou a Lei Complementar nº192, do mês de março. Essa lei zerou as alíquotas de PIS e Cofins sobre os combustíveis até o fim do ano e garantiu o direito a crédito para toda a cadeia: produtores, revendedores e compradores.
A MP 1.118 alterou a lei impedindo o comprador de usar os créditos. A consequência disso é que se a redução do tributo não fosse repassado pelo produtor ou revendedor no preço e o consumidor não pudesse tomar crédito, ele teria, na prática, um aumento de custo. E, segundo os advogados, era isso que estava acontecendo.
O impasse se encerrou com a edição de outra lei complementar, a nº194, do mês de junho, que restabeleceu o direito aos créditos de PIS e Cofins aos consumidores de óleo diesel.
Medidas provisórias são normas com força de lei e podem ser usadas pelo presidente da República para questões relevantes e urgentes. Entram em vigor imediatamente, perdendo a eficácia se não forem apreciadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias.
Esse é o único instrumento que permite ao presidente tratar de novos temas legislativos que não tenham ainda sido deliberados anteriormente pelos parlamentares. Ao contrário do decreto presidencial, que tem a função apenas de regulamentar algo que já tenha sido deliberado pelo Legislativo.
Um levantamento realizado pela revista Valor, com base em informações do Congresso, indica que Jair Bolsonaro conseguiu emplacar a maioria das medidas provisórias que editou neste último ano. Foram convertidas em lei 38 das 67 normas criadas entre outubro de 2021 e novembro de 2022. Oito tiveram a vigência encerrada e 21 ainda estão em tramitação.
“Medida provisória é um instrumento previsto na Constituição Federal, mas não significa que o seu uso seja necessariamente lícito. Tem que se analisar o conteúdo”, afirma Georges Abboud, sócio do Warde Advogados e professor de Direito Constitucional da PUC-SP e do IDP.
O especialista chama a atenção que é muito mais fácil atender vontades específicas de determinados segmentos sociais, políticos e econômicos por MP do que trabalhar por um consenso no Congresso:
“A medida provisória não tem oposição. Se consegue fazer um monte de medidas populistas. Até serem corrigidas ou reparadas pelo fluxo natural do sistema, os fins almejados são atingidos”, frisa.
Para Raphael Cittadino, presidente do IELP, o excesso de MPs é um símbolo da confusão de papéis que existe hoje entre os poderes Executivo e Legislativo:
“Temas importantes da agenda social estão sendo editados por medidas provisórias porque o Parlamento está cuidando do orçamento e o Executivo está cuidando de legislar”, afirma.
O especialista considera que nesse modelo, ambos acabam perdendo papel de controle um sobre o outro. “Existem três poderes e só um está exercendo algum controle sobre os outros, o Judiciário. Por isso, na minha opinião, essa carga pode dar a impressão de que o Judiciário está extrapolando limites”.
FONTE: REVISTA VALOR
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