IELP NA MÍDIA | Uma CPI pode intimar um presidente? Entenda os poderes e limites de uma comissão

Comis­são pode inti­mar auto­ri­da­des e espe­ci­a­lis­tas a pres­ta­rem escla­re­ci­men­tos, bem como reque­rer docu­men­tos e pro­por ações penais

O Poder Legis­la­ti­vo tem entre as suas atri­bui­ções, para além de for­mu­lar e modi­fi­car leis, a fis­ca­li­za­ção e acom­pa­nha­men­to do tra­ba­lho dos demais pode­res. Um dos meca­nis­mos que per­mi­te o cum­pri­men­to des­sas atri­bui­ções são as comis­sões par­la­men­ta­res de inqué­ri­to, as cha­ma­das CPIs.

Uma CPI pode ser ape­nas do Sena­do, como é o caso da CPI da Covid, ape­nas da Câma­ra ou de ambas as casas — nes­te últi­mo caso, ganha um “M”, de mis­ta, e é cha­ma­da de CPMI. Para que a CPI seja cons­ti­tuí­da há alguns pré-requi­si­tos, par­tin­do de um reque­ri­men­to que apon­te um fato deter­mi­na­do a ser inves­ti­ga­do, um pra­zo para esta inves­ti­ga­ção e o cus­to dos tra­ba­lhos, com a assi­na­tu­ra de um ter­ço ou mais dos parlamentares.

A CPI da Covid é fru­to de dois reque­ri­men­tos. Um do sena­dor Ran­dol­fe Rodri­gues (Rede-AP), que pro­põe inves­ti­gar “ações ou omis­sões do gover­no fede­ral” no agra­va­men­to da pan­de­mia. Outro, do sena­dor Edu­ar­do Girão (Pode­mos-CE), que tra­ta de inves­ti­gar o uso de ver­bas fede­rais em esta­dos e municípios.

A comis­são terá pra­zo de dura­ção pre­vis­to de 90 dias e pre­vi­são ini­ci­al de cus­to de R$ 90 mil. A CPI pode ser pror­ro­ga­da por deci­são do ple­ná­rio do Sena­do por suces­si­vos perío­dos iguais, de mais 90 dias, até o limi­te da atu­al legis­la­tu­ra, que se encer­ra em 31 de janei­ro de 2023.

Os prin­ci­pais mem­bros: Pre­si­den­te e relator
Comis­sões par­la­men­ta­res de inqué­ri­to têm dife­ren­tes com­po­si­ções, mas todas pre­ve­em duas fun­ções que são deci­si­vas para o anda­men­to dos tra­ba­lhos: um pre­si­den­te e um rela­tor. É sobre esses dois per­so­na­gens que devem ser depo­si­ta­das as expec­ta­ti­vas a res­pei­to da CPI.

A CPI da Covid terá 11 mem­bros titu­la­res e sete suplen­tes. Os mem­bros podem ser alte­ra­dos duran­te os tra­ba­lhos, por deci­são do líder do blo­co a que per­ten­cem. Até esta quar­ta-fei­ra (14), a comis­são ain­da não havia sido ins­ta­la­da, com a elei­ção do pre­si­den­te e do relator.

Em entre­vis­ta à CNN, o pre­si­den­te do Ins­ti­tu­to de Estu­dos Legis­la­ti­vos e Polí­ti­cas Públi­cas (IELP), Rapha­el Cit­ta­di­no, expli­ca que a CPI é con­si­de­ra­da “um direi­to da mino­ria”, por depen­der de menos da meta­de dos sena­do­res para ser ins­ta­la­da, mas a sua con­du­ção é fei­ta pelo voto majo­ri­tá­rio. Os par­ti­dos e blo­cos com mai­o­res ban­ca­das ocu­pam mais vagas e os com­po­nen­tes da comis­são, por mai­o­ria, tomam as prin­ci­pais decisões.

Por que o pre­si­den­te e o rela­tor são tão impor­tan­tes? São os dois par­la­men­ta­res que ela­bo­ram e con­du­zem o Pla­no de Tra­ba­lho, que, na prá­ti­ca, é o docu­men­to que dirá o que a CPI da Covid vai inves­ti­gar. O pla­no ela­bo­ra o cro­no­gra­ma das ses­sões e agen­da os depoi­men­tos das pes­so­as que serão inti­ma­das a depor.

Das duas vagas, a mais dis­pu­ta­da é a rela­to­ria. Cit­ta­di­no expli­ca que é o rela­tor quem, ao final dos 90 dias de inves­ti­ga­ção, vai dizer quais são as con­clu­sões da CPI, expos­tas em um rela­tó­rio. O docu­men­to pre­ci­sa ser apro­va­do pela mai­o­ria dos inte­gran­tes da comis­são e diz, dian­te do que foi inves­ti­ga­do, quais inves­ti­ga­ções cri­mi­nais ou alte­ra­ções legis­la­ti­vas devem ser empreendidas.

Em geral, ao menos uma das duas vagas, pre­si­den­te ou rela­tor, cos­tu­ma ser exer­ci­da por um indi­ca­do do mai­or blo­co par­ti­dá­rio — no caso do Sena­do, aque­le que é com­pos­to por MDB, Pro­gres­sis­tas e Repu­bli­ca­nos. Para a CPI da Covid, blo­co indi­cou os sena­do­res Edu­ar­do Bra­ga (MDB-AM) e Renan Calhei­ros (MDB-AL), con­si­de­ra­dos inde­pen­den­tes, e o sena­dor Ciro Noguei­ra (PP-PI), pró­xi­mo ao pre­si­den­te Jair Bolsonaro.

Quem vai depor na CPI? É obri­ga­tó­rio comparecer?
Uma CPI pode colher pro­vas de for­mas mui­to seme­lhan­tes a uma inves­ti­ga­ção tra­di­ci­o­nal, requi­si­tan­do docu­men­tos e dili­gên­ci­as, por exem­plo. O prin­ci­pal ele­men­to, no entan­to, são os depoimentos.

Segun­do Rapha­el Cit­ta­di­no, a CPI pode con­vo­car basi­ca­men­te qual­quer pes­soa que con­si­de­re impor­tan­te para escla­re­cer os fatos inves­ti­ga­dos. Quem for inti­ma­do é obri­ga­do a com­pa­re­cer e deve falar aos par­la­men­ta­res sob o jura­men­to de dizer a ver­da­de, poden­do enfren­tar con­sequên­ci­as legais caso min­ta — o ex-pre­si­den­te da Câma­ra Edu­ar­do Cunha (MDB-RJ) teve o man­da­to cas­sa­do sob a acu­sa­ção de men­tir para a CPI da Petro­bras, por exemplo.

“Pode­mos ouvir auto­ri­da­des impor­tan­tes de uma for­ma dife­ren­te do que esta­mos acos­tu­ma­dos. Não é uma entre­vis­ta ou uma decla­ra­ção. É um depoi­men­to a um inqué­ri­to, sob jura­men­to. Esse depoi­men­to tem cará­ter de pro­va e pode ser uti­li­za­do legal­men­te depois” — Rapha­el Cit­ta­di­no, pre­si­den­te do IELP.

O cri­té­rio vale tan­to para auto­ri­da­des, como atu­al e ex-minis­tros, quan­to para os espe­ci­a­lis­tas, como médi­cos ou outros pro­fis­si­o­nais que sejam con­si­de­ra­dos per­ti­nen­tes para elu­ci­dar os fatos.

Sobre a pos­si­bi­li­da­de de a comis­são deci­dir inti­mar o pró­prio pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro (sem par­ti­do), o espe­ci­a­lis­ta expli­ca que não há men­ção na Cons­ti­tui­ção a um impe­di­men­to, mas que toda e qual­quer pes­soa que enten­da que não deve com­pa­re­cer pode recor­rer à Jus­ti­ça para ser dispensada.

Outra situ­a­ção iné­di­ta com alto poten­ci­al de judi­ci­a­li­za­ção, segun­do Cit­ta­di­no, é a pos­si­bi­li­da­de da CPI con­vo­car gover­na­do­res de Esta­do, que tam­bém ten­dem a bus­car o STF caso con­si­de­rem que não devem com­pa­re­cer. O espe­ci­a­lis­ta expli­ca à CNN que há juris­pru­dên­cia nos dois sen­ti­dos na Supre­ma Cor­te e que o argu­men­to que tem mais pros­pe­ra­do para fal­tar é o de acu­sar uma ante­ci­pa­ção da inves­ti­ga­ção cri­mi­nal, evo­can­do o direi­to legal a não pro­du­zir uma pro­va con­tra si.

Os limi­tes da CPI
Ini­ci­al­men­te, as pri­mei­ras CPIs após a Cons­ti­tui­ção de 1988 tinham pode­res mais amplos, uma vez que se igua­la­va os ditos “pode­res de inves­ti­ga­ção pró­pri­os das auto­ri­da­des judi­ci­ais” às fun­ções de juiz. Recur­sos apre­sen­ta­dos ao lon­go des­ses 22 anos leva­ram o Supre­mo Tri­bu­nal Fede­ral a res­trin­gir esses poderes.

A con­clu­são atu­al foca em “pode­res de inves­ti­ga­ção” dos jui­zes, mas não em todos os pode­res. Por­tan­to, a CPI não pode man­dar pren­der, sal­vo em fla­gran­te, não pode ins­ta­lar escu­ta telefô­ni­ca e nem pedir o blo­queio de bens. O que pode, no entan­to, é deci­dir a que­bra de sigi­lo ban­cá­rio e fiscal.

CPI pre­sen­ci­al ou remota?
A Cons­ti­tui­ção e o regi­men­to do Sena­do não entram no deta­lha­men­to sobre como é o for­ma­to de uma comis­são par­la­men­tar de inqué­ri­to no que diz res­pei­to à pre­sen­ça físi­ca. No jul­ga­men­to em que refe­ren­dou a deci­são limi­nar que obri­gou a ins­ta­la­ção da CPI da Covid, o STF se abs­te­ve de tra­tar do assun­to, bem como de dizer quan­do a comis­são deve ser de fato ins­ta­la­da e funcionar.

A deci­são deve­rá ser toma­da, por­tan­to, pelo pró­prio Sena­do. Há alguns pon­tos a serem con­si­de­ra­dos. Depoi­men­tos e docu­men­tos obti­dos em cará­ter de sigi­lo deve­rão per­ma­ne­cer sigi­lo­sos mes­mo que os sena­do­res optem por usar tec­no­lo­gi­as para obtê-los.

“Em CPIs tra­di­ci­o­nais, é tra­di­ci­o­nal­men­te ins­ta­la­da uma sala à par­te para que os sena­do­res tenham aces­so a esses docu­men­tos, sem poder reti­rá-los”, expli­ca Rapha­el Cit­ta­di­no, citan­do como exem­plo a CPI do HSBC, que reu­niu um alto volu­me de docu­men­tos com infor­ma­ções fis­cais de deze­nas de pes­so­as e reque­reu uma ampli­a­ção des­se apa­ra­to. “A CPI da Covid ten­de a ava­li­ar mais fatos já conhe­ci­dos, públi­cos e notó­ri­os, pelo esco­po apre­sen­ta­do, mas isso pode mudar no decor­rer da inves­ti­ga­ção”, complementa.

Leia a repor­ta­gem em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/04/15/uma-cpi-pode-intimar-um-presidente-entenda-os-poderes-e-limites-de-uma-comissao

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